Agressor pode ser processado sem queixa de mulher, diz STF

O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu nesta quinta-feira, por dez votos a um, que agressores possam ser processados por lesão de qualquer gravidade pela Lei Maria da Penha mesmo sem queixa da vítima. As mulheres também não poderão retirar a queixa em casos de agressão física. O único divergente foi o presidente da Corte, ministro Cezar Peluso. Os demais ministros seguiram o voto do relator, ministro Marco Aurélio Mello. Ele alegou que em muitos casos a mulher volta atrás na denúncia, frente a pressões do agressor.

Os ministros Gilmar Mendes e Cármem Lúcia conversam em sessão sobre a legalidade da Lei Maria da Penha

“Dados estatísticos demonstram que o índice de renúncia chega a alcançar 90% dos casos. E deve-se ao fato de (a vítima) vislumbrar uma possibilidade de evolução do agente (agressor), quando na verdade o que acontece é a reiteração de procedimento, e pior, de forma mais agressiva ainda em razão da perda dos freios inibitórios e da visão míope de que tendo havendo o recuo na agressão pretérita o mesmo ocorrerá no subsequente”, argumentou o relator.

O assunto foi levado pela Procuradoria-Geral da República (PGR), que defende que o Ministério Público possa registrar a queixa contra o agressor e que se abra o processo sem a iniciativa da agredida. “Condenar as vítimas à necessidade de representação para que a ação penal contra o ofensor tenha curso é desconhecer as implicações nessa forma específica de violência”, argumentou o procurador-geral da República, Roberto Gurgel.

Mais cedo, o plenário havia decidido por unanimidade que a Lei Maria da Penha faça uma distinção de violência específica para mulheres. “Para frear a violência doméstica, não se revela desproporcional ou ilegítimo o uso do sexo como critério de diferenciação. A mulher é iminentemente vulnerável quando se trata de constrangimentos físicos, morais e psicológicos sofridos em âmbito privado”, disse Marco Aurélio Mello. “Não há dúvida sobre o histórico de discriminação e sujeição por ela enfrentado na esfera afetiva. As agressões sofridas são significativamente maiores do que as que acontecem, se é que acontecem, contra homens em situação similar.”

Ministra diz que até no STF mulheres sofrem preconceito

Mais cedo, a ministra Cármen Lúcia fez uma defesa assertiva dos direitos de gênero e da Lei Maria da Penha nesta quinta-feira durante julgamento que analisou a constitucionalidade de a legislação fazer uma distinção em violência contra a mulher.

Cármen Lúcia citou casos pessoas de preconceito de gênero e rebateu uma fala de seu colega, o ministro Luiz Fux, que havia feito diferenciação entre mulheres que sofrem violência das que não sofrem.

“Eu conto aqui que o ministro Luiz Fux acaba de dizer que há uma diferença entre mulheres violentadas ou não violentadas. Acho que não, ministro. Onde houver, enquanto houver uma mulher sofrendo violência neste momento em qualquer lugar desse planeta, eu me sinto violentada”, disse a ministra.

“Digo isso porque alguém acha que uma ministra deste tribunal não sofre preconceito. Mentira, sofre. Não sofre igual, outras sofrem mais que eu, mas sofrem. Há os que acham que não é lugar de mulher, como uma vez me disse uma determinada pessoa sem saber que eu era uma dessas. ‘Mas também agora tem até mulher’. Imagina”, acrescentou Cármen Lúcia.

A ministra criticou ditos populares como “mulher é que nem bife, quanto mais bate melhor fica” e “toda a mulher gosta de apanhar – todas não, só as normais”. Ela também citou os chamados crimes passionais e como esse tipo de violência vem perdurando com o passar do tempo. Sem mencionar nominalmente, ela lembrou o assassinato da procuradora federal Ana Alice Moreira de Melo na semana passada em Minas Gerais.

Ana Alice teria sido assassinada pelo ex-marido depois de uma briga na casa do casal na madrugada de quinta-feira da semana passada, em um condomínio de luxo na cidade de Nova Lima, região metropolitana. Segundo a PM, Djalma Brugnara Veloso, 49 anos, teria aplicado vários golpes de faca na ex-mulher por não se conformar com o fim do relacionamento. O crime foi presenciado pela babá e os dois filhos do casal, de 3 e 6 anos.

O assunto foi levado pelo Executivo, representado pela advogada Grace Mendonça da Advocacia-Geral da União. E o entendimento do relator foi seguido por todos os demais ministros.

Repercussões

Logo após a sessão de julgamento, o ministro Carlos Ayres Britto defendeu a nova interpretação da Lei Maria da Penha, que pode ser um instrumento para evitar que o medo das vítimas de agressão seja um impeditivo para denúncias contra os agressores.

“Muitas vezes a lei defende você de você mesmo. Porque você tende a se fragilizar, tende a beneficiar o agressor e, culturalmente, você padece de um sentimento de auto-depreciação, de auto-menosprezo, de auto-desprezo. Então isso é cultural, é direito e cultura ao mesmo tempo”, disse o ministro.

Na plateia, assistindo de perto a decisão do plenário do STF, estava a ministra de Políticas para as Mulheres, Iriny Lopes. Em seu último dia no cargo antes de deixar o governo para disputar as eleições em Vitória (ES), a ministra disse estar satisfeita com a decisão da Corte.

“Esse julgamento no meu último dia como ministra foi uma vitória do povo brasileiro, não só das mulheres brasileiras. Aquelas pessoas que estão preocupadas com as famílias devem considerar esta decisão de hoje uma vitória das famílias, porque não poderá ter uma família harmoniosa onde há uma mulher violentada”, avaliou a ministra.

Diogo Alcântara/Direto de Brasília.

Fonte/hojerondonia.





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