Enfim, a tal estaca de Guajará-Mirim tem estado encantada: ainda não apareceu quem queira tomar inteira responsabilidade de a ter fincado; parece que o espírito maligno se meteu nessa estaca. (José Nebrer, Jornal do Commercio, 25.09.1885)
A melhor solução para a transposição das cachoeiras, sem dúvida, virá em um futuro próximo depois da construção das Hidrelétricas do Rio Madeira cujos reservatórios vão submergir estes obstáculos e, mais adiante, serão construídas eclusas para transpor essas colossais obras de arte da engenharia brasileira.
– Rio Madeira e Mamoré
Passar através das cachoeiras com êxito exigia um perfeito conhecimento dos seus canais. Os índios bolivianos, que eram moradores principalmente na foz do Rio Beni, sempre foram considerados os melhores práticos da região, isto é, grandes conhecedores dos canais das cachoeiras, guiando através deles, as embarcações dos viajantes e negociantes. Entretanto, os três saltos (Ribeirão, Jirau e Teotônio) – e algumas cachoeiras, principalmente em certas épocas do ano- tinham que ser contornados por terra. Eram os chamados varadouros. Nesses locais, as embarcações encostavam à margem e procediam ao transporte por terra. (Manoel Rodrigues Ferreira)
O Madeira é o maior afluente da margem direita do Amazonas. A partir de sua foz navega-se rio acima por mais de mil quilômetros. São águas mansas que fluem sem empecilhos pela extensa depressão amazônica. Pouco acima de Porto Velho, porém, surge a primeira de suas quinze cachoeiras: a de Santo Antônio. O Mamoré, que na sua confluência com o Beni recebe o nome de Madeira, por sua vez apresenta outras cinco até a cidade de Guajará Mirim.
– Pioneiros Desafiando as Cachoeiras
Em 1650, a Bandeira de Antônio Raposo Tavares desceu o Rio Madeira e alcançou Belém três anos depois de ter saído da Vila de São Paulo, em 1647. Infelizmente não existe nenhum relato de sua porfia pelas cachoeiras.
Francisco de Mello Palheta, setenta e dois anos depois, em 1723, sobe as cachoeiras cuja odisséia foi relatada por um dos membros de sua expedição sob o título: “Narração da viagem do descobrimento que fez o Sargento-mor Francisco de Mello Palheta no Rio Madeira e suas vertentes, por ordem do Senhor João da Maia Gama, do Conselho de Sua Majestade, que Deus guarde, seu Governador e Capitão-general do Estado do Maranhão”.
(…) No dia 2 de fevereiro de 1723, a expedição chegou à foz do Madeira, navegando Rio acima. (…) ordenou o Cabo (Palheta) se fizesse seis galeotas para se poder nelas passar as cachoeiras; o que fez pela informação que teve se não podia fazer entrada com as grandes com que nos achávamos pela terribilidade das pedras. Feitas as ditas galeotas as preparamos de todo o necessário e de quantidade de cabos para as puxarmos pelas cachoeiras; neste tempo se esperava já pelo socorro da cidade (Belém do Pará), o qual chegou a 4 de junho, e havia muito tempo que os miseráveis soldados, índios e inda o Cabo, depois das frutas do mato acabadas, comia unicamente carne de lagartos, camaleões e capivaras, por não haver outro mantimento, pois não tínhamos outra coisa a que tornássemos.
No dia 22 de junho, Palheta aborda a primeira Cachoeira do Rio Madeira a de Santo Antônio, denominada pelo narrador da expedição como Maguary.
(…) aos 22 do mês (de junho) chegamos à cachoeira chamada Maguary (Santo Antônio) e na passagem dela se alagou Damaso Botelher em uma galeota, na qual perdeu o Cabo a sua capa, o que deu por bem empregado por ser em serviço de Sua Majestade que Deus guarde. Daqui fomos à cachoeira dos Iaguerites (Teotônio), onde chegamos às vésperas de São João e nela vimos sem encarecimento uma figura do inferno (…), pois nenhuma se iguala nem tem paridade a esta do rio Madeira, na sua grandeza e despenhadeiros de pedras e rochedos tão altos que nos pareceu impossível a passagem, como na realidade, pois para passarmos foi necessário fez-se caminho, cortando uma ponta de terra onde fizemos faxinas, sendo o Cabo o primeiro no trabalho a dar-nos exemplo, e fizemos uma boa grade de madeira por onde se puxaram as galeotas; no dito dia ainda se puxaram quatro, suposto que com muita fadiga, e já acabamos tarde; e no outro dia, que foi o do nascimento de São João, se puxaram as mais e se carregaram outra vez com farinhas e munições, que as fomos comboiar mais de meia légua de caminho por terra.
– Solução Boliviana (1846)
Bolivia se desenvuelve en condiciones difíciles. El ambiente geográfico, si bien de una grandiosidad excepcional, es rebelde a las exigencias de la vida. La conservación de está es ardua entre las gigantescas breñas y las desoladas llanuras de los Andes. Además, el aislamiento geográfico de Bolivia obstaculiza sus comunicaciones con los otros países del mundo. (Guillermo Francovich, 1951)
Logo após sua independência, em 1825, o território boliviano se estendia até o Pacífico. Em 1829, Santa Cruz assume o governo boliviano e cria, em Cobija, o Porto Franco da Bolívia. Nessa época existiam duas rotas, cujo transporte era feito por muares, que permitiam que se acessasse o mar. Um deles saindo de La Paz até Puno, no Peru, de onde se descia os Andes até os Portos peruanos de Arica e Molendo e o outro, totalmente em território boliviano, atravessava o deserto de Atacama até o Porto de Cobija. Como o Canal do Panamá ainda não existia os navios eram obrigados a contornar o Estreito de Magalhães para alcançar os portos europeus e norte-americanos. Uma das alternativas mais lógicas seria descer os Rios Mamoré e Beni afluentes do Rio Madeira e alcançar o Atlântico através do Rio Amazonas.
Este inconveniente pode ser facilmente vencido. Os nossos estadistas deviam concentrar todas as suas energias e atenções na navegação do Madeira, ao invés de cogitar de Arica ou Cobija. (José Augusto Palácios)
Em 1846, o engenheiro boliviano José Augusto Palácios, depois de navegar os Rios Mamoré e Madeira apresentou um relatório defendendo a tese da construção de uma estrada que contornasse as cachoeiras.
– Solução Norte-Americana (1851)
Uma estrada cortando diretamente através do território brasileiro, da Cachoeira de Santo Antônio na direção Sudoeste, até o ponto navegável no Rio Mamoré, não excederia cento e oitenta milhas. Esta estrada passaria entre morros, vistos de tempos em tempos, para Leste, onde os terrenos, com toda a probabilidade, não são inundados. Sobre uma estrada de animais, tal como vimos na Bolívia, a carga pode ser transportada em cerca de sete dias de um ponto a outro. (Lardner Gibbon)
Em 1851, os Tenentes William Lewis Herndon e Lardner Gibbon, comissionados pelo governo norte-americano, partiram de Vichuta, na Bolívia, e desceram os Rios Guaporé, Mamoré, Madeira e Amazonas. No relatório apresentado Gibbon considera que:
As cargas dos EUA podem alcançar a primeira cachoeira, no Madeira, em trinta dias. Por uma estrada comum para mulas, através do território do Brasil, as cargas podem ser transportadas da cachoeira inferior à superior no Mamoré, em menos de sete dias, numa distância de cento e oitenta milhas; daí por vapor, pelo Mamoré e Guaporé, até Vinchuta, numa distância de quinhentas milhas, em quatro dias. Dez dias mais da base dos Andes, pela estrada que caminhamos, perfazem cinquenta e um dias de Baltimore a Cochabamba, ou cinquenta e nove dias a La Paz, o empório comercial da Bolívia, onde as cargas geralmente chegam de Baltimore em cento e oitenta dias, pelo Cabo Horn, às vezes ainda retardadas no caminho através do território do Peru, a partir de Arica.
– Solução Brasileira (1861)
O Madeira é o caminho natural da Província de Mato Grosso, e devia ser preferido ao Paraguai, pela razão altamente política de pertencer-nos exclusivamente. O Paraguai traz o Brasil em posição falsa, e tem-lhe absorvido grandes somas. (…) A Bolívia não pode desenvolver-se com a navegação do Madeira. O Brasil concedendo-lhe este grande favor, em troca de outros ainda lucrava muito, porque o comércio dessa região vinha a ser nosso. (João Martins da Silva Coutinho)
Em 1861, o Presidente da Província do Amazonas determinou ao engenheiro João Martins da Silva Coutinho que fizesse um estudo da colonização e navegação do Rio Madeira. Silva Coutinho iniciou a viagem no dia 1° de julho e apresentou seu relatório no dia 3 de outubro onde afirma:
No caso de construir-se uma estrada de ferro para vencer as cachoeiras, a viagem da Corte (Rio de Janeiro) à Vila Bela (hoje Mato Grosso) podia ser feita em um mês. Em 15 dias vem um vapor do Rio de Janeiro ao Pará, do Pará à Foz do Madeira em cinco, e daí vai à primeira cachoeira em quatro. A locomotiva, demorando-se muito, transpunha 50 léguas em 24 horas, e da última cachoeira à Vila Bela um vapor chega em cinco dias.
– Livro
O livro “Desafiando o Rio–Mar – Descendo o Solimões” está sendo comercializado, em Porto Alegre, na Livraria EDIPUCRS – PUCRS, na rede da Livraria Cultura (http://www.livrariacultura.com.br) e na Livraria Dinamic – Colégio Militar de Porto Alegre.
Para visualizar, parcialmente, o livro acesse o link:
http://books.google.com.br/books?id=6UV4DpCy_VYC&printsec=frontcover#v=onepage&q&f=false.
Fonte: FERREIRA, Manoel Rodrigues – A Ferrovia do Diabo – Brasil – Edições Melhoramentos, 1959.
Hiram Reis e Silva
Coronel de Engenharia Hiram Reis e Silva
Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
Vice- Presidente da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS);
Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional.
Site: http://www.amazoniaenossaselva.com.br
E-mail: [email protected]