No balanço dos primeiros seis meses, o governo da presidente Dilma Rousseff manteve o PAC em movimento, a inflação sob controle e o desemprego em baixa. Mas ficou indelevelmente marcado pela “inoperância e indecisão” política, segundo os próprios aliados, entre os quais ministros de Estado e setores de cúpula do PT e do PMDB.
Nesse período, três ministérios importantes mudaram de mãos, a presidente foi envolvida numa discussão desgastante sobre homofobia que pouco ou quase nada tinha a ver com o Palácio do Planalto e foi e voltou em assuntos como a lei de acesso à informação e a prorrogação do decreto que limitou o pagamento dos restos a pagar do Orçamento.
O governo também saiu chamuscado em operações polêmicas, como a licitação do trem-bala e a fusão dos grupos Carrefour e Pão de Açúcar. Neste último caso, só ao fim do processo ficou-se sabendo que a presidente sempre fora contrária à participação do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimente Econômico e Social) no negócio, que fora tocado de maneira autônoma pelo presidente do banco. Mas não é possível julgar o semestre de Dilma pelos discursos inflamados no Congresso, inclusive dos aliados. Na ponta do lápis, a presidente fechou os primeiros seis meses com saldo positivo. A rigor, seu único revés no Legislativo ocorreu na votação do Código Florestal, quando os partidos aliados aprovaram emenda que permite a concessão de anistia a desmatadores.
Essa derrota foi escriturada na conta de Dilma mais pelas trapalhadas da coordenação política do governo, que só agora, passados quase 40 dias depois da demissão do ex-ministro Antonio Palocci da Casa Civil, começa a ganhar um ‘espírito de equipe’ e alguma articulação. Foram os líderes de Dilma que declararam a contrariedade da presidente com a emenda.
Neste final de semestre, o Planalto também evitou, sem muito esforço, o depoimento, em comissão do Congresso, do petista Expedito Veloso, que poderia dar vida nova ao “escândalo dos aloprados” –a suposta encomenda de um dossiê falso contra José Serra (PSDB) nas eleições de 2006. Da mesma forma como conseguira evitar a convocação do ex-ministro Antonio Palocci para falar sobre o fantástico desempenho de sua empresa de consultorias, a Projeto: mantendo plantão nas comissões do Senado e da Câmara, até o “cochilo” na Comissão de Agricultura.
Dilma impôs o nome do novo ministro dos Transportes, Paulo Passos, para o lugar do senador Alfredo Nascimento (PR-AM). E o diretor-geral em férias do Dnit, Luiz Antonio Pagot, passou pelas comissões do Congresso sem provocar o estrago que prometia nas entrelinhas das entrevistas. Mas até atingir esse grau de conforto o governo Dilma andou a reboque de uma agenda negativa, no fio da navalha e deixou pendências para a reabertura do Congresso, no início de agosto.
Nos últimos dias, Dilma elogiou pelo menos três vezes, publicamente, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Algo dispensável, tendo em vista o histórico do relacionamento entre os dois. Na realidade, a presidente tinha uma boa razão: Lula estava incomodado – e os lulistas enfurecidos –com os repetidos elogios de Dilma ao ex-presidente tucano Fernando Henrique Cardoso. Exagerados, segundo a ótica do lulismo e do PT como um todo.
Bem disfarçada no início, ganhou corpo no barulho da política a divisão entre “lulistas” e “dilmistas” no governo. Divisão notada também na base aliada, particularmente no PMDB do Senado. No último governo Lula, os senadores José Sarney e Renan Calheiros eram atendidos por Lula em palácio fora da agenda. Atualmente, Sarney até pode se considerar um privilegiado. Conta-se nos dedos os parlamentares que foram recebidos sozinhos por Dilma. O presidente do Senado é um deles.
A queixa dos lulistas do PT e do PMDB é que Dilma poderia distender o clima nas relações com FHC, mas não precisava repartir com o PSDB o êxito do crescimento econômico ocorrido na era Lula. O ex-presidente manteve esse relacionamento em clima de Fla-Flu eleitoral desde que recobrou o fôlego político, após o mensalão, e com isso ganhou mais duas eleições presidenciais.
O ex-presidente também demonstrou a interlocutores do PT insatisfação com o fato de o Palácio do Planalto deixar correr sem resposta a versão de que recebera uma “herança maldita” do governo passado. Palocci e o ex-ministro dos Transportes Alfredo Nascimento, por exemplo. Em resumo, o que havia de ruim o atual governo herdara do passado.
O ambiente no Palácio do Planalto também ficou tenso no episódio do afastamento de Luiz Antonio Pagot do Dnit (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes).
Pagot tratou do assunto com Gilberto Carvalho (Secretaria Geral), reconhecidamente o ministro de Lula no Palácio do Planalto, e a conversa resultou em versões distintas que serviram apenas para alimentar o clima de intriga. Dilma teria puxado as orelhas de Carvalho, diz uma versão que o Planalto afirma ser tão verdadeira quanto uma nota de R$ 3.
No PT e nos partidos aliados, Dilma foi acusada de demorar a reagir à crise do ministro Antonio Palocci e de se precipitar no caso do ministério dos Transportes.
No final saíram os ministros e dirigentes acusados de montar um esquema de cobrança de propina nos Transportes, mas o ministério continua na área de influência do PR. Trata-se de contencioso mal resolvido em escala para o segundo semestre.
A crítica entre os aliados de Dilma é que falta ao governo da presidente um “centro político”. Ideli Salvatti (Relações Institucionais) faz bem a parte social e pode até ter sucesso na articulação parlamentar. Mas não é um nome para “pensar” o governo.
A falta de articulação, antes e depois de Ideli, é que teria levado a presidente a entrar em divididas desfavoráveis, como no Código Florestal, e depois mudar várias vezes de opinião sobre o mesmo assunto, caso específico da lei que acaba com o sigilo eterno dos documentos oficiais. O próprio PT fez chegar à presidente que sua posição histórica era pelo fim do sigilo dos documentos ultrassecretos, após determinado período (50 anos, no caso do projeto em tramitação). Deve ser registrado que o comando PT também atribuiu parte do “bate-cabeça” à comunicação social do governo.
No caso do PT, especificamente, causou impacto o parecer do procurador Roberto Gurgel em suas alegações finais ao processo do mensalão. A expectativa no partido era que o ex-ministro José Dirceu fosse excluído do processo, por falta de provas, a exemplo do que ocorreu com Luiz Gushiken, outro ex-ministro integrante do núcleo duro de governo no primeiro mandato. Um dia depois de ser reconduzido no cargo, Gurgel não só manteve Dirceu como réu do mensalão, como dedicou um terço das alegações finais ao todo ex-poderoso ministro de Lula.
Boa parte do PT culpa o ministro José Eduardo Cardozo (Justiça) por nem ao menos suspeitar do parecer de Gurgel. A defesa dos aliados do ministro é que ele realmente encara o Ministério Público Federal como um órgão autônomo. O julgamento do mensalão deve ocorrer no primeiro semestre de 2012. Se Dirceu for condenado, ficará mais dez anos sem poder disputar uma eleição –em 2014 acabam os oito decretados pela Câmara na cassação de seu mandato, mas então ele cairia na lei da ficha limpa, por ter sido condenado por um colegiado.
Cardozo, provavelmente, está sendo injustiçado no PT: Gurgel não tinha como recuar em relação a Dirceu depois que o ex-procurador Antonio Fernando o identificara como “chefe da quadrilha” do mensalão. Agora, ao ampliar o libelo contra o ex-ministro talvez tenha facilitado sua absolvição no Supremo, pois há certo consenso entre os advogados que atuam nos tribunais superiores de que o processo não apresenta prova contra o ex-ministro.
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