Rondônia: No curso das usinas, os desvios dos homens

Os casos de exploração e abuso sexual de crianças e jovens nas obras das hidrelétricas Jirau e Santo Antônio mais que dobraram em um ano…

A abordagem se dá na porta dos colégios ou nas imediações.  Meninas de uniforme escolar comprando roupas e calçados, acompanhadas de homens mais velhos, são vistas por comerciantes locais com frequência.  Agentes de saúde relatam a ocorrência cada vez maior de gravidez e de doenças sexualmente transmissíveis entre adolescentes.  Cresce também o número de bares que funcionam como prostíbulos.  Cada um, à sua maneira, em Porto Velho, percebe as transformações em curso na cidade desde que duas usinas hidrelétricas começaram a ser construídas, há cerca de quatro anos.  Além de progresso econômico, Jirau e Santo Antonio levaram para a capital de Rondônia a exploração e o abuso sexual de crianças e adolescentes.  O número de casos mais que dobrou entre 2009 e 2010 — passando de 306 para 636, respectivamente.

De tão graves, os dados que comprovam com rigor estatístico aquilo que os moradores da região já sabem levaram Maria do Rosário, chefe da Secretaria de Direitos Humanos, a Porto Velho nesta semana.  Ela saiu do encontro na cidade disposta a intensificar o combate às violações ocorridas em canteiros de grandes obras espalhadas pelo país, sobretudo com a perspectiva de mais construções para a Copa de 2014.  Dos 942 casos apresentados à ministra, 41% se referem à violência sexual extrafamiliar, ou seja, fora do círculo familiar, e 13,9% correspondem à exploração sexual.  As informações são do Projeto Girassol, que atua no combate ao problema.  Quase 70% dos registros foram colhidos pelos pesquisadores em boletins de ocorrência.  Fichas de atendimento da área social e da saúde também contribuíram para dimensionar a situação.

Professora da Universidade Federal de Rondônia que participa do Projeto Girassol, Maria Berenice Tourinho descreve a realidade vivida atualmente como um misto de questões — o patriarcalismo como cultura, a ausência de poder público e a necessidade financeira de famílias que antes viviam do extrativismo.  “Além disso, inclua trabalhadores que não vieram com suas famílias para os canteiros de obra, sem nenhuma opção de lazer qualificado, que não suportam a mesmice das horas livres no canteiro de obras e são levados para os distritos como forma de aliviar as tensões do dia de trabalho”, destaca Maria Berenice.  Para a promotora da Infância e Juventude Tânia Garcia, é preciso fortalecer a rede de atendimento para acolher as vítimas, mas também prevenir a ocorrência da exploração sexual.

As violações sexuais são apenas um dos problemas sociais vivenciados por essa população.  Eles também padecem sem escolas, segundo relatório recente da Plataforma Dhesca, uma rede de aproximadamente 30 organizações ligadas aos direitos humanos no país.  Em abril, o relator da entidade que redigiu o documento, José Guilherme Zagallo, constatou 195 alunos sem estudar por falta de vagas.  “As informações que recebemos das autoridades locais é de que os consórcios de Jirau e de Santo Antonio tinham se comprometido a fazer duas escolas.  Mas só uma delas, a Nossa Senhora de Nazaré, no povoado de Z, estava funcionando”, diz Zagallo.

Força-tarefa

Com o objetivo de prevenir e enfrentar a exploração sexual de crianças e adolescentes na região de influência da obra das usinas hidrelétricas Jirau e Santo Antonio, em Porto Velho, o Projeto Girassol conta com a participação de vários atores.  São eles: o Centro de Defesa da Criança e do Adolescente, a Universidade Federal de Rondônia, a Petrobras e a organização Childhood.  Entre as tarefas, estão a capacitação de professores no tema e o encaminhamento de vítimas para atendimento.

Missão emergencial

O documento é resultado da missão emergencial de monitoramento realizada em 31 de março e 1º de abril de 2011 pela Relatoria Nacional do Direito Humano ao Meio Ambiente visando investigar as denúncias de violações de direitos humanos relacionadas às obras das usinas hidrelétricas de Santo Antonio e Jirau, situadas em Porto Velho.  Em abril de 2008, a situação na localidade já tinha sido alvo de outra inspeção da Plataforma Dhesca.

Correio Braziliense





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