O Supremo Tribunal Federal não deverá esperar pela posse da nova ministra Rosa Maria Weber para definir quais dispositivos da Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar 135/10) valem para as eleições de 2012. Sob o fantasma dos empates que provocaram um impasse supremo (clique aqui e aqui para ler) nas duas primeiras vezes em que a lei foi analisada, os dez ministros que hoje compõem o tribunal podem julgar nesta quarta-feira (9/11) se a lei é ou não constitucional.
Na prática, definirão o que vale e o que não vale para as eleições municipais e todas as subsequentes. O julgamento será fatiado. Ou seja, o voto do relator das três ações em julgamento, ministro Luiz Fux, discorrerá sobre cada uma das 14 alíneas da norma que fixou novas hipóteses nas quais o registro do candidato deve ser rejeitado. Por isso, são grandes as chances de partes da lei serem mantidas até por unanimidade, enquanto outras cairão com folgada maioria.
As principais discussões se darão em torno dos dois principais pontos da lei. E é aí que são maiores as chances de um novo impasse acabar por adiar o resultado do julgamento. Se um candidato condenado por decisão colegiada antes de a lei entrar em vigor pode ser barrado pelas novas regras e se a norma não fere o princípio constitucional da presunção de inocência, segundo o qual ninguém terá seus direitos políticos cassados antes de decisão transitada em julgado. Ou seja, definitiva.
O Partido Popular Socialista (PPS) e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), autores de duas das três ações, sustentam que inelegibilidade não é pena, mas apenas uma restrição de direito de ser votado. Por isso, não se aplica ao caso a regra constitucional que impede que a lei penal retroaja para prejudicar o réu. A legenda e a entidade afirmam que a própria Constituição Federal, no parágrafo 9º do artigo 14, manda considerar a vida pregressa do candidato para fixar novas hipóteses de inelegibilidade.
De acordo com o PPS, por exemplo, a expressa referência constitucional ao exame da vida pregressa do candidato é suficiente para autorizar a previsão de hipóteses de inelegibilidade que tomem em consideração fatos passados. Segundo a legenda, raciocínio oposto esvaziaria o conteúdo da lei. Para o partido, a regra também não fere o princípio da segurança jurídica, já que a verificação das condições de elegibilidade se dá no momento de registro de candidatura.
A OAB reforça os argumentos do PPS e acrescenta que é necessário fazer a distinção entre inelegibilidade e perda ou suspensão dos direitos políticos. O primeiro caso alcança apenas o direito de ser votado. Já o segundo abrange também o direito de votar. Assim, não seria necessário esperar pela condenação definitiva para a rejeição de registros de candidatos, já que inelegibilidade não significa suspensão de direitos políticos.
Ainda de acordo com a OAB, a Lei da Ficha Limpa garante o direito de defesa, pois prevê a possibilidade de o candidato obter judicialmente a suspensão dos efeitos da condenação para que possa concorrer às eleições. Assim, mesmo os condenados poderão recorrer ao Judiciário, que avaliará os casos individualmente para garantir que não sejam cometidas injustiças.
Princípios em choque
Apesar dos respeitáveis argumentos do PPS e da OAB, pode-se esperar do julgamento no Supremo mais uma batalha entre o princípio da moralidade pública e o da presunção da inocência. No caso do primeiro, a jurisprudência do STF é farta no sentido de que ninguém pode ter seus direitos políticos cassados ou sofrer restrições sem decisão de condenação transitada em julgado. Salvo exceções, o cidadão pode usufruir de todos os seus direitos até que seja definitivamente condenado pela Justiça.
Há três anos, o Supremo Tribunal Federal decidiu que não é possível impedir a candidatura de um político sem que ele tenha sido definitivamente condenado pela Justiça. A decisão foi tomada por nove votos a dois no julgamento de ação da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB). O relator do caso, ministro Celso de Mello, ressaltou em seu voto que a presunção de inocência deve perdurar não apenas na esfera penal, mas também “no domínio civil e no âmbito político”.
Da atual composição do Supremo, apenas os ministros Dias Toffoli e Luiz Fux não participaram do julgamento. Quatro ministros deram ênfase ao princípio da presunção da inocência em seus votos: Celso de Mello, Marco Aurélio, Gilmar Mendes e Cezar Peluso. Para estes, deve prevalecer o inciso LVII do artigo 5º da Constituição Federal: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.
Os outros cinco que votaram contra a ação se fiaram principalmente no argumento de que o Judiciário não poderia criar novas hipóteses de inelegibilidade. Isso teria de ser feito pelo Congresso, por meio de lei complementar. Por esse motivo, a situação é diferente da anterior. Agora, a proibição de candidatura mesmo sem condenação definitiva veio por meio de lei complementar, como determina a Constituição. E isso pode garantir a vida da lei.
O parágrafo 9º do artigo 14 da Constituição estabelece que “lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para o exercício do mandato, considerada a vida pregressa do candidato”. Foi exatamente o que se fez com a aprovação da Lei da Ficha Limpa, que terá nesta quarta-feira sua prova de fogo.
Autor: Conjur
Fonte/hojerondonia.com